No
texto anterior falamos a respeito de alguns aspectos das semelhanças entre a
pandemia de covid-19 e a da gripe espanhola, tendo como painel fundamental as
relações políticas e interesses de informação ou desinformação. Para nós da
Rapsodo dos Sertões, tratou-se de um texto sem grandes pretensões, a não ser a
demonstração de que estamos repetindo uma experiência já vivida, tanto na sua
dimensão trágica quanto de farsa. Longe da nossa alçada querer adivinhar o
futuro – nossa bola de cristal sempre falhou! Entretanto essas comparações
mal-arranjadas e rápidas podem nos levar a pensar quais os graus de intervenção
e capacidades que temos, enquanto sociedade, de construir coletivamente um
futuro menos pesado e difícil para as várias áreas de desenvolvimento humano.
Uma
delas, de importância fundamental e que tem sido uma das mais discutidas é a
Educação. Talvez uma das atividades sociais que mais produzem aglomeração.
Tanto pelo número de pessoas quanto pela frequência diária dos encontros. Desta
feita, a educação talvez seja uma das últimas atividades cotidianas a retornar
a sua normalidade – se é que isso seja possível. E pensando nessa dificuldade,
atrelada a razão de que nossas escolas são o reflexo mais exemplar de todas as
nossas desigualdades sociais. O Brasil é um país que possui escolas que custam
4.000,00 R$ ou mais a mensalidade e ao mesmo tempo é o país que ainda possui
escolas construídas com palafitas. No meio dessas duas realidades encontra-se
um abismo imperceptível de realidades sociais. Questões são óbvias: como manter
o processo educativo durante o tempo de quarentena considerando todas essas
diferenças? O que será e como será o processo de rearranjo e retorno as aulas?
O que faremos para não aprofundar ainda mais as diferenças e os déficits de
aprendizagem dos nossos estudantes? Verdadeiros enigmas, mas que só poderão ser
respondidos na vivência coletiva e em processos difíceis de experimentação em
meio a maior crise sanitária da nossa geração.
Não
existem, portanto, saídas lineares e horizontais para este problema. Um
horizonte positivo é que possuímos, já, um documento referencial curricular que
prevê direitos de aprendizagem para todos os estudantes do país. A BNCC deve
amparar a organização metodológica dos períodos de quarentena e do
pós-quarentena. Sabemos que as atividades não presenciais são essencialmente o
formato para que cheguemos aos estudantes e suas famílias. Caminho difícil de
ser trilhado claro. Um risco de retrocesso na aprendizagem e o distanciamento
dos estudantes das escolas é muito grande. Portanto, a forma e a qualidade das
atividades não presenciais serão decisivas para amenizarmos os efeitos destes
problemas. Sabemos que será necessário tratar e levar em consideração as
diferenças sociais de acesso as tecnologias da informação por parte dos
estudantes. Muitos estudantes não possuem acesso a internet. O que fazer com
eles? Que tipos de atividades podem ser realizadas? É necessário pensar sobre
essa realidade. E já percebemos, nessa altura do campeonato, que as redes e os
sistemas de ensino têm encontrado formatos e ritmos diferentes para sanar essa
questão.
A
figura dos professores tem uma importância ímpar. Pensamos em outros tempos
passados que, em um futuro distópico, como o que estamos vivendo, a figura do
professor seria facilmente substituída pelas conexões da internet. Pois bem,
chegamos no nosso futuro distópico e pandêmico e cada dia percebemos, cada vez
mais, a importância da figura e atuação dos professores. Eles estão mais
expostos, tanto no sentido da visibilidade quanto no sentido da disponibilidade
do “atendimento” remoto necessário das suas devolutivas pedagógicas. É claro
que a realidade da pandemia produz desafios para os professores piores que o
labirinto do fauno, mas testemunhamos talvez o maior mutirão da história da
nossa profissão.
A
situação impõe diversas dificuldades como: 1. O cumprimento do calendário
escolar, tanto o de 2020 quanto, dependendo da situação o de 2021. 2. O
retrocesso da aprendizagem, que em vias normais já se dá com grandes
dificuldades, imagina-se nesse momento sem a presença física coletiva dos
estudantes e professores. 3. Problemas de ajustes do cotidiano familiar, já que
agora são outros tempos em que a criança e o adolescente estarão em casa
durante todo o dia e boa parcela dos pais trabalha durante o dia,
impossibilitando o acompanhamento das atividades coincidente no horário das
aulas 4. O perigo real da evasão escolar, tanto pela não adequação ao trabalho
a distância como após a pandemia o número real de jovens que terão que
ingressar de forma incipiente no mercado de trabalho para ajudar as suas
famílias durante a crise. 5. Como construir um calendário que atenda às
necessidades especiais deste momento? 6. Como enfim, criar práticas pedagógicas
que atendam as demandas de estudantes que possuem acesso com qualidade à
internet, mas também aqueles que não possuem acesso? 7. Como realizar o
trabalho específico em alfabetização, devido a sua importância nevrálgica no
processo educacional? Tanto para os que estão dentro da faixa
idade/escolaridade quanto aqueles que não estão? 8. E enfim, e não terminando pois sabemos que
cada rede apresentará ainda mais desafios, como mobilizar toda a rede?
Gestores, corpo docente, discente, família e comunidade escolar que devem estar
sonantes ao desafio minimamente.
Dentre
as várias medidas tomadas, em passos as vezes a diante e as vezes
conservadores, não podemos negar que os mais variados entes responsáveis pela
educação têm se mobilizado, discutido e agido frente ao caos. De formas
diferentes, e tentando atender as mais diversas necessidades dos públicos que
compõem a nossa educação, sabemos que no final das contas a urgência dos
problemas educacionais vão se somar aos problemas sociais já inerentes a nossa
população. O receio, mas o trabalho que deve ser desenvolvido, é que o abismo
não se aprofunde ainda mais. O CNE (Conselho Nacional de Educação), após
discussões consideráveis a distância e consulta pública das instituições
interessadas, lançou no último dia 30 um parecer que orienta o desenvolvimento
das atividades pedagógicas a distância nesses tempos de pandemia. É importante
notarmos que, tal como já foi apontado, algo importante para essas indicações e
apontamentos é que certamente eles não se configuram como a bala de prata da
educação do Brasil. São medidas emergenciais em tempos de exceção, que
inclusive podem e devem direcionar novas práticas para o pós-pandemia, mas não
serão o caminho das pedras que todos devem seguir da mesma forma. As redes,
escolas e professores encontrarão seus formatos, práticas e redes de diálogos a
partir dos insumos que dispõem – e isso não deixa de ser uma preocupação em um
país tão desigual. Do ponto de vista pedagógico, estrutural e financeiro o
parecer recomenda o uso de aulas presenciais, após quarentena, concomitante aos
trabalhos individuais a distância como atividades letivas que devem ser
computadas para o total do ano letivo. Um ponto de atenção importante é a
Educação Infantil, pela sua necessidade de interação e ludicidade maior que a
das outras etapas de ensino. Mesmo que essa necessidade seja um imperativo
frente as condições sociais e de trabalho de muitas famílias brasileiras. Mas
algo que desconfiamos que seja acenado para o futuro pós-pandemia é que essas
atividades não presenciais se configurem ainda mais, com ou sem o uso da
internet, como um dos processos complementares ao ensino presencial. É
necessário pensar também em um processo de orientação às famílias. Se a
situação é nova para a educação imagine para as famílias, que perpassam por
grandes problemas financeiros e a situação de estar com seus filhos durante o
dia inteiro com o desafio de mantê-los em um mínimo alinhamento e concentração
para os estudos.
Outro
ponto importante é pensarmos o retorno. Uma condição objetiva se apresenta para
todos nós. Certamente teremos que retornar às atividades educacionais de forma
presencial sem termos ainda um tratamento eficiente e/ou uma vacina. Serão
necessários vários protocolos de retorno, com segurança sanitária suficiente
para estabelecermos uma nova normalidade. Partindo deste princípio precisamos
analisar também que, são variados níveis e etapas de ensino, mas que,
entretanto, todos foram afetados pelo processo de quarentena da pandemia, mesmo
que em níveis e formatos diferentes. O processo de retorno deve ser gradual. É
importante dizer que a abertura ou fechamento das escolas deve obedecer, e já
está obedecendo, as ondas de picos de contaminação nos vários países. Entre
cancelar o ano letivo (que se caracterizaria uma tragédia tal como foi na
pandemia da Gripe Espanhola) até reabrir as escolas de forma planejada existe
um abismo de opções, que na verdade são imposições de novas realidades. Será
necessário um grande planejamento e a inclusão de protocolos sanitários
extremamente complexos – não se trata de uma tarefa simples. E ele deve ser
dialogado entre os principais entes responsáveis pela educação do país. MEC,
Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação, Secretarias Estaduais e
Municipais e principalmente escolas, famílias, professores e estudantes.
Salientamos, entretanto, a inclusão do MEC mesmo considerando todas as ações
que estão sendo desenvolvidas como se não estivéssemos vivendo em regime de
exceção – vide o exemplo da tentativa de se impor o ENEM goela abaixo, sem
contar com as latentes desigualdades entre os nossos estudantes e que o atual
momento aprofunda ainda mais. É quase como se colocar sal na ferida!
De
certo que esse tempo demonstra uma capacidade memorável de resistência para a
manutenção da relevância do trabalho da educação. O de certo é que a Educação é
um dos eixos fundamentais para o desenvolvimento da sociedade, não somente em
tempos comuns, mas no nosso caso em tempos de crise como o que estamos vivendo.
Desta feita queremos testemunhar que as frentes de trabalho são amplas e se
inserem tanto no serviço público quanto no serviço particular. A satisfação é
de estar nas duas frentes – pública e privada, em trabalhos valorosos da
Secretaria Municipal de Ensino de Campo Alegre – Alagoas na figura
representante e atuante da professora Graciene Alencar e equipe e da UMJ -
Centro Universitário Mário Pontes Jucá, na figura representativa do professor
Mário César Jucá e equipe. E que sigamos ampliando a rede de apoios e ações em
um momento tão difícil.
Daniel
Marinho é o Rapsodo dos Sertões.
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