segunda-feira, 15 de março de 2021

GENOCÍDIO BRASILEIRO: AS CORTINAS DE FUMAÇA E O MESSIAS DO MIMIMI (Daniel Marinho)

 



O Brasil é realmente um país de contradições e ressignificações bastante singulares... No contexto geral das nossas experiências históricas, podemos observar várias “jabuticabas” (termo popularmente utilizado quando nos referimos a realidades vividas apenas pelos brasileiros). Pois bem, vamos fazer um exercício de futurologia e dizer que, a palavra messias está ganhando um novo sentido entre nós. Vejamos: Pela cultura judaico/cristã o messias seria aquele que traria a salvação e a libertação do povo de Deus, estabelecendo uma nova ordem social, de paz, justiça e liberdade. Já na atual cultura brasileira do maniqueísmo político e do caos sobrevivido pelo nosso povo, por causa de todos os fatores acrescidos pela pandemia do corona vírus, o nosso messias está mais próximo de carregar o significado de uma das trombetas do apocalipse, a do genocídio, do que necessariamente trazer o significado da libertação.

Se formos analisar de forma fria, e até mesmo sem pensar em partidarismos (o que seria impossível) o que poderíamos falar do líder de uma nação que, em meio à propagação de uma verdadeira peste egípcia, que fulminou até meados do mês de março, 270.655 mil compatriotas (mais de um quarto de milhão e crescendo...), diz que tudo se trata de mimimi e de frescura por parte do povo que lhe elegeu?

O certo, por outro ponto de vista, é que dentro dessa lógica, Bolsonaro não enganou ninguém. Desde quando era parlamentar pelo Rio de Janeiro, e desde quando sua ascensão irresistível começou a se dar, através de programas de TV de segunda e terceira categorias que ele deixava transparente a sua adesão a um conservadorismo viciado em uma necropolítica[1], que tem como alicerce a pauta maniqueísta do “eles contra o nós” além do apelo à teologia da prosperidade que se alinha em um neopentecostalismo televisivo. Tudo isso em nome de um falso moralismo da construção arquetípica da família tradicional brasileira.

Tal construção é tão apelativa que acabou conquistando eleitores apaixonados, defensores das mais variadas pautas, entre eles:

1.   Os saudosistas da ditadura militar e sua alergia ao comunismo alegórico da guerra fria;

2.   Os descontentes pela ascensão consumista das classes C, D e E;

3.   Os negacionistas da ciência cartesiana;

4.   Os ávidos pela justiça feita como vendeta nos patíbulos das praças públicas e que sentem certo fetiche pela morte de jovens negros e pobres;

5.   Os revoltados com as inclinações políticas da grande imprensa;

6.   Os incomodados pela repercussão das pautas de inclusão social e discursiva de movimentos sociais organizados e principalmente...;

7.   Os descontentes com o histórico recente das atuações dos governos do PT.

Um episódio ilustrativo disto que estamos dizendo, a necropolítica, foi a fala de Jair Bolsonaro em um encontro onde, por mais uma vez, enquanto candidato a presidência da república ele era indagado sobre suas qualificações e conhecimentos prévios para ocupar tal cargo. Na oportunidade ele vomitou a seguinte pérola: “... minha especialidade é matar!”[2].

Sabemos que existe um esforço gigantesco da mídia bolsonarista e dos adeptos do presidente para desdizer, ou refazer, ou recalcular tudo que ele declara. Isso com a intenção de reconstruir absolutamente toda a lógica. Essa inversão de valores faz parte da argumentação central da necropolitica, já que a justificação da morte por si só não se bastaria. O esforço do discurso de defesa do “mito” é enorme. Além de ser particularmente revoltante e cansativo, pois defender os discursos de Bolsonaro é a demonstração real de que, de alguma forma o nosso processo civilizatório errou, a nossa educação realmente não alcançou seus objetivos da promoção dos discursos e cosmovisões da ciência, da cidadania e da democracia.

O presidente Jair Bolsonaro é perito em administrar a tática do discurso “dois passos para frente e um passo para trás”. Ou seja, invariavelmente ele solta um discurso forte de grande apelo, causando uma fúria comovente da parte dos seus opositores e uma alegria redentora e acolhedora da parte dos seus correligionários. Depois que todo salseiro está armado e que os grupos antagônicos estão se degladiando nas arenas das redes sociais em avalanches de memes de internet e vídeos de Whatsapp dos tios do churrasco, ele no final das contas passa a dizer que não foi bem assim que ele quis dizer. Mas no final das contas, após deixar sempre um rastro de comoção, furor e revolta da opinião pública, ele acaba ganhando espaço. E quando ele ganha espaço o estrago está feito sempre. Temos, inclusive, a plena certeza de que ele compreende bem os efeitos nocivos das suas falas. Mas tudo isso tem suas razões, e a principal é sempre lançar uma cortina de fumaça sobre as razões reais e efetivamente mais importantes do seu desgoverno.

Para exemplificar a questão acima vamos lembrar o carnaval de 2019. Naquele momento as denúncias das “rachadinhas” contra o filho do presidente estavam na pauta além, claro, da relação delas com a atuação do amigo da família presidencial – Fabrício Queiroz... O apelo a esse momento desembocou, dentre outras coisas, em marchas de carnaval e, posteriormente na interferência óbvia do presidente na superintendência fluminense da polícia federal. O atual superintendente é inclusive amigo íntimo da família e ao mesmo tempo potencial responsável pelas investigações do caso. Em meio à tempestade política que já estava se abatendo sobre o governo, Bolsonaro lança mão de uma cortina de fumaça que durou um bom tempo. A crítica ao carnaval, maior festa popular do país, onde o mandatário da nação, travestido de arauto da moralidade pergunta aos sete ventos brasileiros após denunciar um vídeo em que um homem, em meio a folia de Momo, urina no outro: O que é golden shower? A cortina de fumaça parecia boba, mas a conversa do golden shower ecoou como um apito de cachorro sobre a turba bolsonarista, que é expert em fazer crescer o fermento das loucuras ditas pelo “mito”, e acabou rivalizando, na opinião pública, com a verdadeira questão política do país, ou seja, a interferência do presidente na polícia federal para a proteção descarada do filho.

Pois bem, possuímos a impressão real de que a estrutura discursiva de Bolsonaro tem como principal intenção esconder as suas falhas enquanto governante. Enquanto o presidente acusa o seu próprio povo de fraqueza moral e medo diante da morte, ele esconde o fato de ter negado, em agosto, a oferta de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer Biontech. Doses essas que imunizariam 35 milhões de brasileiros no início do ano de 2021. Pensemos com carinho, munidos da revolta necessária e saudades daquilo que não vivemos, no número de brasileiros que poderiam ter sido salvos se já estivessem imunizados desde então. E precisamos também lembrar, de forma civil e vigilante que, o milagre da charlatanice da cloroquina e de um suposto tratamento precoce (principais cortinas de fumaça do período da pandemia) ainda custa a tontura perceptiva da população sobre a pandemia e milhões gastos com um remédio que não faz efeito. Além de termos em tela a cumplicidade interesseira de militares – nossos atuais vendilhões do templo e atuais beneficiados da mamata que foram responsáveis pela produção do nosso elixir mágico.

Outra cortina de fumaça que chama muito atenção é o discurso adolescente de que a culpa dos direcionamentos da pandemia é sempre de prefeitos e governadores. E é claro que não descartamos a corresponsabilidade destes, mas a sua insistência chantagista nesse discurso ainda lhe acrescenta, para os seus admiradores, um alento falso de que o presidente não trabalha por que os outros não deixam. Precisamos lembrar que a sentença do STF a respeito das deliberações e rumos do combate à pandemia deveria seguir o princípio básico constitucional, que é o pacto federativo, portanto, sob a égide da liderança do governo em Brasília, todos possuem corresponsabilidade e potencialmente culpa.

Além do escândalo moral que carregam e do apelo midiático que elas compõem, as sentenças bolsonaristas contribuem para a manutenção do caos sanitário, político e econômico do país. Hoje, e de forma inédita, o Brasil é um pária internacional e um perigo sanitário no mundo inteiro, o que pode nos custar um isolamento medieval. E estamos convencidos de que, quanto mais ele investe nesse caos, e na desorganização perceptiva da nossa população mais o genocídio brasileiro se torna real à proporção em que os mortos são empilhados, e de forma estranha, mais estabilidade para a manutenção do seu cargo lhe dá. Por isso que insistimos que o governo de Jair Messias Bolsonaro é, além de outras adjetivações, genocida. 

Daniel Marinho é professor de História, assessor pedagógico e rapsodo dos sertões.



[1] Se fala de necropolítica o uso de poder social e político para ditar como determinadas pessoas e/ou grupos sociais devem continuar vivendo ou morrer. (Mbembe, Achille. On the Postcolony, 2003).

[2] Em visita a Porto Alegre, ainda enquanto deputado federal, onde após ser recebido por simpatizantes em um evento empresarial declamou a frase dita. No momento ele estava respondendo um jornalista que lhe indagou a respeito dos projetos que já tinha aprovado enquanto deputado. Ele se referiu a pílula do câncer e disse que não sabia se ela realmente curava ou não, pois sua especialidade seria outra, a qual já nos referimos. A tal pílula conteria a substância fosfoetanolamina.

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