O
Brasil é realmente um país de contradições e ressignificações bastante
singulares... No contexto geral das nossas experiências históricas, podemos
observar várias “jabuticabas” (termo popularmente utilizado quando nos
referimos a realidades vividas apenas pelos brasileiros). Pois bem, vamos fazer
um exercício de futurologia e dizer que, a palavra messias está ganhando um
novo sentido entre nós. Vejamos: Pela cultura judaico/cristã o messias seria
aquele que traria a salvação e a libertação do povo de Deus, estabelecendo uma
nova ordem social, de paz, justiça e liberdade. Já na atual cultura brasileira
do maniqueísmo político e do caos sobrevivido pelo nosso povo, por causa de todos
os fatores acrescidos pela pandemia do corona vírus, o nosso messias está mais
próximo de carregar o significado de uma das trombetas do apocalipse, a do
genocídio, do que necessariamente trazer o significado da libertação.
Se formos analisar de forma fria, e até
mesmo sem pensar em partidarismos (o que seria impossível) o que poderíamos
falar do líder de uma nação que, em meio à propagação de uma verdadeira peste
egípcia, que fulminou até meados do mês de março, 270.655 mil compatriotas (mais
de um quarto de milhão e crescendo...), diz que tudo se trata de mimimi e de
frescura por parte do povo que lhe elegeu?
O certo, por outro ponto de vista, é que
dentro dessa lógica, Bolsonaro não enganou ninguém. Desde quando era
parlamentar pelo Rio de Janeiro, e desde quando sua ascensão irresistível
começou a se dar, através de programas de TV de segunda e terceira categorias
que ele deixava transparente a sua adesão a um conservadorismo viciado em uma
necropolítica[1],
que tem como alicerce a pauta maniqueísta do “eles contra o nós” além do apelo
à teologia da prosperidade que se alinha em um neopentecostalismo televisivo. Tudo
isso em nome de um falso moralismo da construção arquetípica da família
tradicional brasileira.
Tal construção é tão apelativa que acabou conquistando
eleitores apaixonados, defensores das mais variadas pautas, entre eles:
1.
Os saudosistas da ditadura militar e sua
alergia ao comunismo alegórico da guerra fria;
2.
Os descontentes pela ascensão consumista das
classes C, D e E;
3.
Os negacionistas da ciência cartesiana;
4.
Os ávidos pela justiça feita como vendeta
nos patíbulos das praças públicas e que sentem certo fetiche pela morte de
jovens negros e pobres;
5.
Os revoltados com as inclinações políticas
da grande imprensa;
6.
Os incomodados pela repercussão das pautas
de inclusão social e discursiva de movimentos sociais organizados e
principalmente...;
7.
Os descontentes com o histórico recente das
atuações dos governos do PT.
Um episódio ilustrativo disto que estamos
dizendo, a necropolítica, foi a fala de Jair Bolsonaro em um encontro onde, por
mais uma vez, enquanto candidato a presidência da república ele era indagado
sobre suas qualificações e conhecimentos prévios para ocupar tal cargo. Na
oportunidade ele vomitou a seguinte pérola: “... minha especialidade é matar!”[2].
Sabemos que existe um esforço gigantesco da
mídia bolsonarista e dos adeptos do presidente para desdizer, ou refazer, ou
recalcular tudo que ele declara. Isso com a intenção de reconstruir
absolutamente toda a lógica. Essa inversão de valores faz parte da argumentação
central da necropolitica, já que a justificação da morte por si só não se
bastaria. O esforço do discurso de defesa do “mito” é enorme. Além de ser
particularmente revoltante e cansativo, pois defender os discursos de Bolsonaro
é a demonstração real de que, de alguma forma o nosso processo civilizatório
errou, a nossa educação realmente não alcançou seus objetivos da promoção dos
discursos e cosmovisões da ciência, da cidadania e da democracia.
O presidente Jair Bolsonaro é perito em
administrar a tática do discurso “dois passos para frente e um passo para trás”.
Ou seja, invariavelmente ele solta um discurso forte de grande apelo, causando
uma fúria comovente da parte dos seus opositores e uma alegria redentora e
acolhedora da parte dos seus correligionários. Depois que todo salseiro está
armado e que os grupos antagônicos estão se degladiando nas arenas das redes
sociais em avalanches de memes de internet e vídeos de Whatsapp dos tios do
churrasco, ele no final das contas passa a dizer que não foi bem assim que ele
quis dizer. Mas no final das contas, após deixar sempre um rastro de comoção,
furor e revolta da opinião pública, ele acaba ganhando espaço. E quando ele
ganha espaço o estrago está feito sempre. Temos, inclusive, a plena certeza de
que ele compreende bem os efeitos nocivos das suas falas. Mas tudo isso tem
suas razões, e a principal é sempre lançar uma cortina de fumaça sobre as
razões reais e efetivamente mais importantes do seu desgoverno.
Para exemplificar a questão acima vamos
lembrar o carnaval de 2019. Naquele momento as denúncias das “rachadinhas”
contra o filho do presidente estavam na pauta além, claro, da relação delas com
a atuação do amigo da família presidencial – Fabrício Queiroz... O apelo a esse
momento desembocou, dentre outras coisas, em marchas de carnaval e,
posteriormente na interferência óbvia do presidente na superintendência
fluminense da polícia federal. O atual superintendente é inclusive amigo íntimo
da família e ao mesmo tempo potencial responsável pelas investigações do caso. Em
meio à tempestade política que já estava se abatendo sobre o governo, Bolsonaro
lança mão de uma cortina de fumaça que durou um bom tempo. A crítica ao
carnaval, maior festa popular do país, onde o mandatário da nação, travestido
de arauto da moralidade pergunta aos sete ventos brasileiros após denunciar um
vídeo em que um homem, em meio a folia de Momo, urina no outro: O que é golden shower? A cortina de fumaça
parecia boba, mas a conversa do golden
shower ecoou como um apito de cachorro sobre a turba bolsonarista, que é
expert em fazer crescer o fermento das loucuras ditas pelo “mito”, e acabou
rivalizando, na opinião pública, com a verdadeira questão política do país, ou
seja, a interferência do presidente na polícia federal para a proteção
descarada do filho.
Pois bem, possuímos a impressão real de que
a estrutura discursiva de Bolsonaro tem como principal intenção esconder as
suas falhas enquanto governante. Enquanto o presidente acusa o seu próprio povo
de fraqueza moral e medo diante da morte, ele esconde o fato de ter negado, em
agosto, a oferta de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer Biontech. Doses
essas que imunizariam 35 milhões de brasileiros no início do ano de 2021. Pensemos
com carinho, munidos da revolta necessária e saudades daquilo que não vivemos, no
número de brasileiros que poderiam ter sido salvos se já estivessem imunizados
desde então. E precisamos também lembrar, de forma civil e vigilante que, o milagre
da charlatanice da cloroquina e de um suposto tratamento precoce (principais
cortinas de fumaça do período da pandemia) ainda custa a tontura perceptiva da
população sobre a pandemia e milhões gastos com um remédio que não faz efeito.
Além de termos em tela a cumplicidade interesseira de militares – nossos atuais
vendilhões do templo e atuais beneficiados da mamata que foram responsáveis
pela produção do nosso elixir mágico.
Outra cortina de fumaça que chama muito
atenção é o discurso adolescente de que a culpa dos direcionamentos da pandemia
é sempre de prefeitos e governadores. E é claro que não descartamos a
corresponsabilidade destes, mas a sua insistência chantagista nesse discurso
ainda lhe acrescenta, para os seus admiradores, um alento falso de que o
presidente não trabalha por que os outros não deixam. Precisamos lembrar que a
sentença do STF a respeito das deliberações e rumos do combate à pandemia
deveria seguir o princípio básico constitucional, que é o pacto federativo,
portanto, sob a égide da liderança do governo em Brasília, todos possuem corresponsabilidade
e potencialmente culpa.
Além do escândalo moral que carregam e do
apelo midiático que elas compõem, as sentenças bolsonaristas contribuem para a
manutenção do caos sanitário, político e econômico do país. Hoje, e de forma
inédita, o Brasil é um pária internacional e um perigo sanitário no mundo
inteiro, o que pode nos custar um isolamento medieval. E estamos convencidos de
que, quanto mais ele investe nesse caos, e na desorganização perceptiva da
nossa população mais o genocídio brasileiro se torna real à proporção em que os
mortos são empilhados, e de forma estranha, mais estabilidade para a manutenção
do seu cargo lhe dá. Por isso que insistimos que o governo de Jair Messias
Bolsonaro é, além de outras adjetivações, genocida.
Daniel Marinho é professor de História, assessor
pedagógico e rapsodo dos sertões.
[1]
Se fala de necropolítica o uso de poder social e político para ditar como
determinadas pessoas e/ou grupos sociais devem continuar vivendo ou morrer. (Mbembe,
Achille. On the Postcolony, 2003).
[2]
Em visita a Porto Alegre, ainda enquanto deputado federal, onde após ser
recebido por simpatizantes em um evento empresarial declamou a frase dita. No
momento ele estava respondendo um jornalista que lhe indagou a respeito dos
projetos que já tinha aprovado enquanto deputado. Ele se referiu a pílula do câncer
e disse que não sabia se ela realmente curava ou não, pois sua especialidade
seria outra, a qual já nos referimos. A tal pílula conteria a substância fosfoetanolamina.
É um verdadeiro Genocídio esse modelo de gestão Bossonarista.
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