sábado, 20 de março de 2021

LULISMO, COMOÇÃO NACIONAL, PERSEGUIÇÃO POLÍTICA E AS ELEIÇÕES DE 2022 (Daniel Marinho)


LULISMO, COMOÇÃO NACIONAL, PERSEGUIÇÃO POLÍTICA E AS ELEIÇÕES DE 2022

Possuímos a impressão real de que as eleições de 2018 não acabaram... O presidente eleito Jair Messias Bolsonaro nunca saiu do palanque. Por vários motivos, o que inclui a sua lógica necropolítica de que o discurso de crise e de vitimismo são eficazes para a manutenção de um percentual aceitável de popularidade entre os seus seguidores. Hoje esse percentual ainda é suficiente para levá-lo ao segundo turno. Enquanto isso, todas as outras forças políticas do país tentam articular um anti-bolsonarismo da mesma forma com a qual já construíram anteriormente um antipetismo, evidentemente guardando as devidas diferenças, mas o sentido deverá ser o mesmo se essas forças quiserem vencer Bolsonaro.

Em meio a essas constatações mínimas um episódio passou a dar cores novas no quadro situacional da política do país. Lula entra no jogo político eleitoral de 2022.

Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente da república foi preso, por decisão judicial em segunda instância, aos 73 anos de idade, e assim ficou durante 580 dias. O tempo passou exatos três anos, e já em casa ele acaba recebendo a notícia de que o julgamento não valia pelo fato de que o caso não poderia ter sido julgado onde foi. A partir de então uma onda de discursos, narrativas e percepções apaixonadas tomam conta do país. E por quê? Lula é uma das figuras mais emblemáticas e representativas da história política do Brasil democrático, e, além disso, ele encarna a representação dos discursos mais apaixonados, seja para adorá-lo ou para detratá-lo. Dificilmente encontraremos um brasileiro que não se apeteça com a figura de Lula, e certamente um desses brasileiros é o atual presidente Jair Messias Bolsonaro. Tudo mudou na parca mentalidade de Bolsonaro quando o julgamento foi considerado nulo e Lula potencialmente elegível.

Algumas interpretações rapsódias sobre a decisão do ministro Fachin:

1.        Sim, a decisão foi política. Certamente ninguém acredita que, após tanto tempo, o ministro tomou a decisão por que teria encontrado uma falha técnica no processo;

2.      Sérgio Moro estava prestes a ser designado como suspeito no processo de Lula, principalmente após as denúncias e evidências mostradas pela “vaza jato” onde ficou caracterizada a sua influência sobre os procuradores da força tarefa. Também considerando que as provas foram coletadas de forma ilegal. Ou seja, o que assistimos foi um jogo de cartas marcadas;

3.       E se “onde passa um boi passa uma boiada” essa decisão do ministro Fachin também abre a possibilidade de que todas as decisões da Lava Jato sejam consideradas nulas;

4.      E o que pareceu ser um jogo para livrar Lula na verdade, com a nulidade do processo, salvará Moro de ser investigado pela sua interferência no processo.

Finalmente temos uma ferida aberta. Ferida essa que todos sabem que existe... Do brasileiro mais humilde até o mais abastado, sabemos que a justiça no Brasil é feita conforme os contextos e interesses das classes que dominam as letras e dominam o jogo político. E mais, que as decisões estão sempre ligadas à interesses pessoais. Vamos nos lembrar da decisão do ministro Gilmar Mendes, maior debatedor da parcialidade de Sérgio Moro, quando a alguns anos atrás mandou soltar um empresário no Rio de Janeiro, cuja filha ele tinha sido padrinho de casamento[1]. Ou seja, realmente todas as peçonhas são venenosas.   

Obviamente que não existem garantias de como as eleições de 2022 vão terminar, mas é claro que teremos um Bolsonaro muito mais desgastado se Lula estiver no pleito.

O discurso inflamado do líder histórico do PT, na sede dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo deve ter sido visto por Jair Bolsonaro debaixo da cama, semelhante à quando éramos crianças e estávamos com medo do bicho papão. Pelo menos foi o que pareceu, em seu primeiro pronunciamento após a libertação do ex-presidente. Todos sabiam que era o Bolsonaro, mas ele realmente estava diferente... Até a decoração do cenário mudou um pouco com o acréscimo de um globo terrestre. E olhem que a live costumeira das quintas-feiras de Bolsonaro é um verdadeiro circo dos horrores, em que frequentemente ele vomita todas as suas improbidades. Inclusive acreditamos que um dia se fará necessário que a imprensa brasileira seja vigilante e corajosa o suficiente, da mesma forma que a americana foi ao termino do governo Trump. Praticamente todas as vezes que o presidente americano mentia descaradamente, ou a sua fala era cortada ou o “mentirometro” era ligado e a população era informada que aquelas sentenças proferidas por ele eram falsas.  

Um dos problemas marcantes de uma provável disputa entre Bolsonaro e Lula, além delas reforçarem nosso maniqueísmo político é que ela está pautada na ligação afetiva que as pessoas têm à lideres carismáticos. Resguardando suas devidas diferenças, Lula e Bolsonaro trazem à pauta política do país um apelo forte às emoções e a sentimentos que estão relacionados a construção de um patriarcado político nacional. Em um país que precisa urgentemente de saídas conscientes, planejadas e responsáveis para problemas complexos o resultado desse maniqueísmo é sempre o mesmo: ou amor devotado ou ódio ressentido. É claro que Bolsonaro prefere mil vezes encarar Haddad e até mesmo Ciro Gomes, que possuem um perfil bastante acadêmico, portanto, um tanto quanto afastados da linguagem popular das massas, do que enfrentar Lula. Para o enfrentamento a Haddad e Ciro a saída simples para Bolsonaro seria a de fugir do debate político direto, pois realmente não teria chances, mas contra Lula, certamente a disputa seria no corpo a corpo e como em todo ringe de UFC o sague jorraria...        

Pensemos então nas atribuições mecânicas dos três poderes da nossa nação, e que hoje estão enferrujados pela crise em que estamos vivendo com o corona vírus. A crise agravada com a briga política entre os poderes, em âmbito nacional, estadual e municipal e liderada pelo olho do furacão que é o presidente da república. Em tese o poder legislativo seria o mais político, cabendo ser o representante dos vários diálogos regionais em um debate público amplo. Salientando que o seu principal problema é a corrupção advinda, inclusive, do fisiologismo e interesses de grupos específicos que são patrocinadores de políticos. O poder executivo fica literalmente no meio, sendo político também, mas cabendo-lhe a necessidade de ser técnico, ou seja, tendo a responsabilidade de operacionalizar as políticas públicas em todos os seus âmbitos. Precisa cumprir as leis e o orçamento em equidade com as necessidades da população. Já o poder judiciário deveria ser o menos político dos três, mesmo que esteja sendo, ultimamente, uma das vozes mais ativas de contensão dos arroubos golpistas do presidente Bolsonaro. Mas por estar sendo tão político, o Judiciário acaba se configurando como uma das fontes de instabilidade mais claras da nossa democracia. Temos que viver com mais essa tensão diariamente. Não é a toa que talvez sejamos a primeira geração de brasileiros que sabe os nomes de vários ministros do supremo, mas não sabe toda a escalação da seleção brasileira.  

De todas as formas o Supremo Tribunal Federal está errado. Pensemos. Se a decisão de Fachin estiver correta, ou seja, de que o processo de Lula deve ser anulado e que tudo volte ao ponto de partida, ela serviu à época para que Sérgio Moro retirasse o principal opositor de Bolsonaro do páreo eleitoral. Com o agravo de que Sérgio Moro tornou-se ministro da justiça posteriormente, temos que nos lembrar deste fato. Uma interferência inadmissível no processo democrático.  Mas se a decisão do ministro do supremo estiver errada ela recai sobre outro problema sério, que seria o de colocar no páreo eleitoral de 2022 um candidato ilegal.

Enquanto esse teatro shakespeariano se arrasta, milhares de compatriotas morrem crucificados pelo corona vírus, e com a fúria de um algoz, Bolsonaro passa outra vez a ter uma cortina de fumaça eficaz. Ameaçado pela concorrência eleitoral de Lula, o presidente e seus asseclas partem para a perseguição judicial dos seus opositores mais midiáticos... Nesse momento os alvos são o youtuber Felipe Neto, um professor universitário do Rio Grande do Sul e o eterno pré-candidato a presidência Ciro Gomes. Cheirinho de golpe no ar outra vez.

Daniel Marinho é professor de História, assessor pedagógico e rapsodo dos sertões.  


 

4 comentários:

  1. Excelente texto, maravilhosa reflexão, caríssimo Mestre.

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  2. Amei sua reflexão, Daniel. Vivemos eternamente assim: de golpe em golpe!

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  3. Amei sua reflexão, Daniel. Vivemos eternamente assim: de golpe em golpe!

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