Alguns
avisos preliminares ao texto que se segue: Não! Não gosto de carnaval. O medo
do movimento da turba não me deixa sossegado! Músicas que descem até o chão,
com sempre o mesmo ritmo, sempre a mesma melodia, sempre as mesmas metáforas de
segundas e terceiras intenções trazem um cansaço sepulcral – só de olhar. Entretanto
reconheço de forma óbvia a importância da festa de Momo para conformação da
identidade nacional, espécie de vitrine do estereótipo cultural brasileiro do
samba, do axé, do frevo, da festa, da apoteose. Então por esses e outros
motivos, que se dane minha observação sobre o carnaval e que todos sejam
felizes. Segue o texto:
Regionalizando
a discussão pensei muito na relação de Alagoas com o carnaval e, em
decorrência, com a formação da sua identidade. A minha motivação foi uma
observação superficial do bloco “Pinto da Madrugada”, a razão da sua existência
com algumas impressões que sempre tive a respeito. Não sei se seria
interessante me aventurar nesse nível de chatice, ou seja, enquanto as pessoas
se divertem inocentemente no Pinto e tantos outros blocos aqui estou para
cumprir o papel de crítico da alegria alheia – mas alguém tem que cumpri esse
papel – deveras inútil.
A
derivação filial do Pinto, seguiu em Alagoas inclusive a do “Ovo da madrugada”
– o Pinto em si é de toda a ilustração das classes abastadas da cidade de
Maceió, que no final das contas orgulham-se das referências pernambucanas,
tanto para tendências conservadoras da dita família tradicional alagoana quanto
para as tendências libertárias voltadas a valorização dos traços regionais da
cultura de Pernambuco. Mas no final das contas, o frevo revela certo elitismo de
suas origens e apropriações. Não deixam de ser laços indissociáveis de uma
sociedade que, em suas narrativas históricas mais correntes tem como
referências oficiais o patriarcalismo, o coronelismo e o elitismo. O Pinto da
Madrugada é um bloco das reminiscências saudosistas da nossa classe média das
praias de Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca. Ele tanto o é uma versão
pernambucalizada da alegria da classe média da cidade de Maceió que na verdade
seria mais adequado chama-lo de bloco pré-carnavalesco, por acontecer sempre
antes do carnaval.
Voltando
as referências elitistas da narrativa histórica e social da identidade de
Alagoas, e como elas conseguiram soterrar as manifestações populares, pensemos
no Quebra de 1912. O evento da pedagogia da violência a que as religiosidades
de matriz africana sofreram desencadearam uma cultura maciça de total aversão
contra as manifestações dos afoxés, por exemplo. Somente recuperados décadas
mais tarde, sem nem ao menos serem necessariamente uma reminiscência dos
antigos blocos de afoxés do início do século XX. Nossa tradição elitista,
patriarcal e de violência exalta a figura de dois marechais amorfos, que
pouquíssimo contribuíram efetivamente para a sociedade alagoana, mas são
responsáveis inclusive pelo “nome de guerra” do estado – Terra dos Marechais.
Mas onde reside no alagoano os atributos de força dos Marechais? Seus feitos
são efetivamente importantes para traçarmos uma genealogia dos alagoanos? Nossa
resposta é óbvia: Não.
Nossa
narrativa identitária escolheu, e escolhe seus vultos. Ela constrói cenários de
grandes feitos e, nessa eleição, quase que naturalizada, lhes confere epopeias,
verdadeiras histórias de sucesso e representatividade nacional e mundial. Estão
nesse panteão das narrativas da formação da identidade alagoana: Graciliano
Ramos, Jorge de Lima, Lêdo Ivo, Djavan, Marta, Zumbi, Aurélio Buarque de
Holanda, Artur Ramos, Nise da Silveira e claro os Marechais Deodoro e Floriano
– dentre outros.
Podemos
mencionar inclusive a construção da narrativa das Alagoas paradisíacas, essa
talvez tão paralisante e sedutora quanto a outra. O paraíso das águas também
nos serve para a construção de uma narrativa sobre Alagoas pouco pulsante,
contemplativa e elitizada. Nos orgulhamos, no final das contas de um conjunto
de balneários caros e praias poluídas que infelizmente são loteadas, em algumas
partes para usufruto colonial da nossa elite.
Todas
as narrativas mencionadas servem para a construção de um orgulho atabalhoado e pouco
útil, por que ao mesmo tempo em que sentimentos são criados, a reboque sempre
são criados silêncios retumbantes sobre a vida do povo, suas vivências e
principalmente seus processos de resistência. O silenciamento sobre o que
emerge das classes populares e do que é ser alagoano de fato, seja na criação
dos nossos vultos, na visão paradisíaca da nossa natureza e até mesmo na
pernambucalização do nosso carnaval, produto acabado e esquizofrênico que a
nossa classe média praiana insiste com a encarnação do Pinto.
Daniel
Marinho é o Rapsodo dos Sertões.
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