sexta-feira, 12 de março de 2021

CARNAVAL E O DESENGANO DA IDENTIDADE ALAGOANA

 


Alguns avisos preliminares ao texto que se segue: Não! Não gosto de carnaval. O medo do movimento da turba não me deixa sossegado! Músicas que descem até o chão, com sempre o mesmo ritmo, sempre a mesma melodia, sempre as mesmas metáforas de segundas e terceiras intenções trazem um cansaço sepulcral – só de olhar. Entretanto reconheço de forma óbvia a importância da festa de Momo para conformação da identidade nacional, espécie de vitrine do estereótipo cultural brasileiro do samba, do axé, do frevo, da festa, da apoteose. Então por esses e outros motivos, que se dane minha observação sobre o carnaval e que todos sejam felizes. Segue o texto:

Regionalizando a discussão pensei muito na relação de Alagoas com o carnaval e, em decorrência, com a formação da sua identidade. A minha motivação foi uma observação superficial do bloco “Pinto da Madrugada”, a razão da sua existência com algumas impressões que sempre tive a respeito. Não sei se seria interessante me aventurar nesse nível de chatice, ou seja, enquanto as pessoas se divertem inocentemente no Pinto e tantos outros blocos aqui estou para cumprir o papel de crítico da alegria alheia – mas alguém tem que cumpri esse papel – deveras inútil.

A derivação filial do Pinto, seguiu em Alagoas inclusive a do “Ovo da madrugada” – o Pinto em si é de toda a ilustração das classes abastadas da cidade de Maceió, que no final das contas orgulham-se das referências pernambucanas, tanto para tendências conservadoras da dita família tradicional alagoana quanto para as tendências libertárias voltadas a valorização dos traços regionais da cultura de Pernambuco. Mas no final das contas, o frevo revela certo elitismo de suas origens e apropriações. Não deixam de ser laços indissociáveis de uma sociedade que, em suas narrativas históricas mais correntes tem como referências oficiais o patriarcalismo, o coronelismo e o elitismo. O Pinto da Madrugada é um bloco das reminiscências saudosistas da nossa classe média das praias de Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca. Ele tanto o é uma versão pernambucalizada da alegria da classe média da cidade de Maceió que na verdade seria mais adequado chama-lo de bloco pré-carnavalesco, por acontecer sempre antes do carnaval.

Voltando as referências elitistas da narrativa histórica e social da identidade de Alagoas, e como elas conseguiram soterrar as manifestações populares, pensemos no Quebra de 1912. O evento da pedagogia da violência a que as religiosidades de matriz africana sofreram desencadearam uma cultura maciça de total aversão contra as manifestações dos afoxés, por exemplo. Somente recuperados décadas mais tarde, sem nem ao menos serem necessariamente uma reminiscência dos antigos blocos de afoxés do início do século XX. Nossa tradição elitista, patriarcal e de violência exalta a figura de dois marechais amorfos, que pouquíssimo contribuíram efetivamente para a sociedade alagoana, mas são responsáveis inclusive pelo “nome de guerra” do estado – Terra dos Marechais. Mas onde reside no alagoano os atributos de força dos Marechais? Seus feitos são efetivamente importantes para traçarmos uma genealogia dos alagoanos? Nossa resposta é óbvia: Não.

Nossa narrativa identitária escolheu, e escolhe seus vultos. Ela constrói cenários de grandes feitos e, nessa eleição, quase que naturalizada, lhes confere epopeias, verdadeiras histórias de sucesso e representatividade nacional e mundial. Estão nesse panteão das narrativas da formação da identidade alagoana: Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Lêdo Ivo, Djavan, Marta, Zumbi, Aurélio Buarque de Holanda, Artur Ramos, Nise da Silveira e claro os Marechais Deodoro e Floriano – dentre outros.

Podemos mencionar inclusive a construção da narrativa das Alagoas paradisíacas, essa talvez tão paralisante e sedutora quanto a outra. O paraíso das águas também nos serve para a construção de uma narrativa sobre Alagoas pouco pulsante, contemplativa e elitizada. Nos orgulhamos, no final das contas de um conjunto de balneários caros e praias poluídas que infelizmente são loteadas, em algumas partes para usufruto colonial da nossa elite.

Todas as narrativas mencionadas servem para a construção de um orgulho atabalhoado e pouco útil, por que ao mesmo tempo em que sentimentos são criados, a reboque sempre são criados silêncios retumbantes sobre a vida do povo, suas vivências e principalmente seus processos de resistência. O silenciamento sobre o que emerge das classes populares e do que é ser alagoano de fato, seja na criação dos nossos vultos, na visão paradisíaca da nossa natureza e até mesmo na pernambucalização do nosso carnaval, produto acabado e esquizofrênico que a nossa classe média praiana insiste com a encarnação do Pinto.   

Daniel Marinho é o Rapsodo dos Sertões.

 

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