sexta-feira, 12 de março de 2021

O OFÍCIO DE HISTORIADOR E A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA

 


            Sou professor de História, e com muito orgulho. Para onde vou e de que forma estou, profissionalmente, é sempre a primeira referência em uma apresentação. Desde o final dos anos 90, no curso de História da UFAL nos deparávamos com alguns assuntos chaves que definiam o ofício do professor de História. Talvez o principal desses assuntos era a regularização ou oficialização da profissão de Historiador, mesmo que estivéssemos em um curso de licenciatura. Pois bem... parte da solução para esta demanda foi realizada nas últimas semanas, quando o Plenário do Senado aprovou por unanimidade a regulamentação da profissão de historiador. O senador Randolfe Rodrigues da Rede – AP concordou com o Rapsodo dos Sertões afirmando que essa era a pauta mais esperada em décadas pelos profissionais da área – no final das contas o projeto segue para a sanção presidencial. Em outros momentos essa última ação seria resolvida de forma simples, já com Bolsonaro no poder as perspectivas finais, para a regularização da profissão de historiador ainda ficam sob suspeitas. Mas vamos tecer algumas considerações a respeito do ofício do historiador e da importância da História para a sociedade brasileira nesses tempos sombrios, ou como gostamos de chamar, os tempos da síntese.

Uma primeira consideração que gosto sempre de levantar, mesmo que ela já tenha sido rechaçada diversas vezes por outros profissionais que lidam com a escrita e/ou ensino de História é a da sua utilidade enquanto pensamento científico e campo do saber. Sempre retruquei essa dúvida com a resposta de que o passado é o elemento fundamental para significar os seres humanos e suas experiências sociais. A perspectiva é de que o acúmulo das experiências vividas pelos indivíduos e seus grupos constituem elemento ordinário e capilar para a definição de experiências e constituição de suas identidades. O passado é extremamente útil e desta forma, pois águas passadas movem moinhos!

Nesse sentido a sociedade brasileira é uma verdadeira caixa de pandora. Sempre ouvimos falar que o Brasil não possui memória, ou que passamos por uma amnésia social congênita. Desta feita, a impressão mais real que sinto é a de que, além disto – do fato de possivelmente não possuir memória, a sociedade brasileira é refém dos revisionismos historiográficos de caráter político. Até por que é inegável como professor perceber que o interesse pela História do Brasil e do Mundo tem se intensificado nos últimos anos. Tanto pelo advento da internet, quanto pela efervescência do mercado editorial das revistas de história, quanto pelo acaloramento dos debates políticos atuais encontramos boa parte da juventude minimamente interessada no debate público, que, por osmose traz a reboque o debate histórico. Como dito, o problema reside então, em algumas percepções revisionistas propositalmente deturpadas da História. Percepções essas que nos fazem enxergar verdadeiras anomalias nos discursos atuais como: jovens negros a favor no Nazismo, representantes do governo atual declarando a escravidão como um processo civilizatório benéfico aos negros brasileiros.... No final das contas esses discursos possuem algo em comum, que é a negação da legitimidade histórica dos movimentos sociais, e por consequência a sua criminalização. É uma nova/antiga História que pontua de forma contundente o conservadorismo como salvação para a ordem social.

Pensamos sempre em um estilo de explicação, que é aquele que pensa na multiplicidade dos fenômenos e das vivências humanas, ao mesmo tempo em que consegue categorizá-los e percebê-los em movimentos dialéticos de luta pela sobrevivência e espaços de poder e afirmação social. O que os movimentos conservadores revisionistas querem é negar a trajetória dialética dos conflitos que formaram o povo brasileiro. E isso é comum há tempos, ou não seria o mito da democracia racial uma espécie de tentativa de trazer uma antropologia dos afetos para a História do Brasil? Afirmando-nos como um povo fruto dos laços de negociação entre senhores e escravos onde a violência seria a artimanha final para manutenção do poder senhoril?

A História, enquanto ciência e campo do conhecimento, nos auxilia a pensar nos movimentos dialéticos que explicam, e co-definem a nossa realidade. O que queremos dizer é que, somente uma explicação de longa duração seria capaz de explicar as angústias do retorno feroz do conservadorismo, enquanto discurso histórico e prática política. A sociedade brasileira foi formada, em seu passado colonial pelas marcas e ranhuras do patriarcalismo, assentado nas monoculturas, no pacto colonial ou subserviência às potências estrangeiras e principalmente na escravidão e todo o bojo social, político e principalmente ideológico que ela sempre carregou. De Joaquim Nabuco a Jessé Souza, passando de forma categórica por Florestan Fernandes passamos a ter consciência de que uma ordem genealógica de construção do nosso ethos praticamente empedrou a perspectiva a respeito do Brasil. Dessa forma é inegável dizer que um modelo de nação foi construído, mesmo que isso batesse de frente com a multiplicidade étnica e racial do nosso país. Mesmo que tivéssemos religiosidades indígenas e negras foi o Cristianismo registrado como a religião da civilidade brasileira, apenas para pensarmos em exemplos práticos. O Capitalismo financeiro e especulativo como modelo de “desenvolvimento”, a família tradicional heteronormativa, enfim, o modelo europeu mesmo que compartilhado era-nos percebido como normativo. E desse movimento foram geradas diversas marginalidades, no sentido das identidades que historicamente foram segregadas em níveis e formas diferentes – esse é o primeiro grande dado da História para compreender o Brasil.

Em contrapartida e contradição a esse processo civilizatório homogeneizador observamos, principalmente no século XX, a quantidade considerável de movimentos sociais que o negaram. Seria a grande pauta de estudos do século XX e início do XXI. O movimento operário, feminista, negro, gay, campesino e tantos outros foram abrindo espaço, de formas variadas e com táticas variadas, para que chegássemos ao momento em que parte da sociedade pelo menos os considerasse legítimos. Temos, a partir daí a multivocalidade dos sujeitos que, de uma forma ou de outra tencionam nosso processo civilizador em nome de uma sociedade mais plural e inclusiva. Até certo ponto e até certo momento esse movimento de antítese parecia relativamente pacificado. A sensação que tinha era de que estávamos em um processo irreversível de aceitação, mesmo que lenta, desses movimentos sociais.

Estamos vivendo então os tempos em que esses movimentos sociais estão sendo postos a prova por uma contrarevolução – de valores, de percepções e de intenções políticas de conservação. O momento histórico em que o ódio pelas identidades marginalizadas e o espírito conservador do nosso processo civilizatório afloraram. Quem se sentia reprimido e envergonhado em sentir ódio dos movimentos sociais passou a se sentir livre por causa da catapulta inconsequente do conservadorismo. No final das contas, e puxando a sardinha para o nosso lado, somente a História, em sua perspectiva dialética é capaz de dar o mínimo de lucidez para o entendimento de uma realidade tão complexa, pois como dissemos – águas passadas movem moinhos.

Daniel Marinho é o Rapsodo dos Sertões!     

 

 

 

              

 

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