sexta-feira, 12 de março de 2021

O CORINGA, A CRÍTICA SOCIAL E O ANTI HEROÍSMO

 


Nunca fui fã de filmes de super-heróis. Desde adolescente, e antes mesmo disso, eles possuem um tom pastel, adaptado às inocências dos adolescentes e crianças e revelam que os roteiristas podem ter serviços muito simples. Normalmente seguem a mesma direção da apoteose do mocinho e construção de uma simbologia ideal para seus expectadores. Por essas razões, e pelo sono intrépido que me toma quando não me interesso por algo, passei bom tempo negando assistir a última versão do CORINGA – personagem que mistura o ar jocoso com uma espécie de vendeta aparentemente sem sentido. O tempo passou e finalmente me rendi à referência da quinta pessoa que me alertou sobre a qualidade do filme: “assista! Não é filme de herói.... Você vai gostar! ” – Assisti...

Tratou-se, enfim, de uma experiência singular.... Um filme esplêndido.... Ao final das contas me senti arrebatado pela construção da narrativa da personagem Coringa sendo interpretado de forma singular pelo ator Joaquim Phoenix. Uma verdadeira crítica social à violência, ao desenvolvimento da relação do indivíduo com a sociedade, à indústria do entretenimento, à formação e desenvolvimento da luta de classes, enfim o autor conseguiu tudo isso com doses cavalares de tensão e cenas que na verdade descobríamos no final tratarem-se de alucinações.

Coringa é cometido de uma doença mental em que não consegue controlar o próprio riso. São muitas as cenas dos risos impróprios e o close da câmera na feição/interpretação do ator onde ele alterna o riso frouxo com o choro desvalido. Inclusive na ambientação inicial de Gotham City o Coringa está frente ao espelho forçando o sorriso icônico – o detalhe perturbador é que junto ao sorriso desce uma lágrima que carrega bastante angústia. Esse enigma metafórico percorre todo o filme, deixando os espectadores com uma certeza, que era a de que ele pertencia a uma espécie de mundo e percepção paralelos. Para tanto, os remédios que toma trazem para ele um equilíbrio distante, mas constante ao ponto de poder tratar sua mãe e manter um emprego como palhaço. Coringa é um sujeito fraco, palhaço fracassado – enfim, o estereótipo do homem comum que embora medíocre possui algumas aspirações. As principais são ser humorista e participar de um programa de TV muito popular. No mais, pelo dito o Coringa possui ambições próximas as da bolha das redes sociais. Nos momentos de delírio, quando se via participando do programa ou de frente ao público a percepção que tive era muito próxima ao teatro coletivo das redes sociais em que cada um de nós mostra parte da nossa personalidade hedônica e megalomaníaca. Não seria um desvio/padrão? As nossas máscaras? Da necessidade de mostrar-se como corpo, como algo interessante aos outros e até mesmo pertencente de ideias modernas? O real, os afetos e as relações de carne e osso seriam bem mais difíceis de se encarar.

Na tensão criada entre o ideal imagético e pitoresco do mundo paralelo do humor e a agonia de uma vida triste e decrepita a esquizofrenia se estabelece, e mesmo que o Coringa recorra insistentemente ao tratamento, quando é abandonado pelo estado, essas percepções se confundem de uma forma que tenho certeza que, como eu, alguns espectadores chegam a ter pena da personagem.

A sacada final, que me chamou também a atenção foi a extensão que os seus atos passaram a tomar. O ato do Coringa matar os três homens que estavam assediando uma mulher no metrô toma proporções políticas, incidindo em discursos antagônicos entre conservadores dos preceitos das famílias de “bem” – abastados e o símbolo da turba de palhaços que reivindicam justiça social impulsionados pelo fato. Os discursos do pai do Batman são bem parecidos com parte da narrativa conservadora brasileira e mundial. A partir desse momento, e das mortes que ainda é responsável durante o filme (inclusive a da própria mãe) abre-se outro palco para o Coringa que, antes perdedor e desvalido passa a ter seu desfecho apoteótico no talk show tão sonhado e nas ruas em protestos que nem imaginava ser o mito fundador...  As realidades passam a se confundir mais uma vez, desvelando um monstro para a narrativa do filme e uma provocação bastante atual para nós. Quatro estrelas e meia na minha humilde opinião!

 

 

  

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