Nunca
fui fã de filmes de super-heróis. Desde adolescente, e antes mesmo disso, eles
possuem um tom pastel, adaptado às inocências dos adolescentes e crianças e
revelam que os roteiristas podem ter serviços muito simples. Normalmente seguem
a mesma direção da apoteose do mocinho e construção de uma simbologia ideal
para seus expectadores. Por essas razões, e pelo sono intrépido que me toma
quando não me interesso por algo, passei bom tempo negando assistir a última
versão do CORINGA – personagem que mistura o ar jocoso com uma espécie de
vendeta aparentemente sem sentido. O tempo passou e finalmente me rendi à
referência da quinta pessoa que me alertou sobre a qualidade do filme:
“assista! Não é filme de herói.... Você vai gostar! ” – Assisti...
Tratou-se,
enfim, de uma experiência singular.... Um filme esplêndido.... Ao final das
contas me senti arrebatado pela construção da narrativa da personagem Coringa
sendo interpretado de forma singular pelo ator Joaquim Phoenix. Uma verdadeira
crítica social à violência, ao desenvolvimento da relação do indivíduo com a
sociedade, à indústria do entretenimento, à formação e desenvolvimento da luta
de classes, enfim o autor conseguiu tudo isso com doses cavalares de tensão e
cenas que na verdade descobríamos no final tratarem-se de alucinações.
Coringa
é cometido de uma doença mental em que não consegue controlar o próprio riso.
São muitas as cenas dos risos impróprios e o close da câmera na
feição/interpretação do ator onde ele alterna o riso frouxo com o choro
desvalido. Inclusive na ambientação inicial de Gotham City o Coringa está
frente ao espelho forçando o sorriso icônico – o detalhe perturbador é que
junto ao sorriso desce uma lágrima que carrega bastante angústia. Esse enigma
metafórico percorre todo o filme, deixando os espectadores com uma certeza, que
era a de que ele pertencia a uma espécie de mundo e percepção paralelos. Para
tanto, os remédios que toma trazem para ele um equilíbrio distante, mas
constante ao ponto de poder tratar sua mãe e manter um emprego como palhaço.
Coringa é um sujeito fraco, palhaço fracassado – enfim, o estereótipo do homem
comum que embora medíocre possui algumas aspirações. As principais são ser
humorista e participar de um programa de TV muito popular. No mais, pelo dito o
Coringa possui ambições próximas as da bolha das redes sociais. Nos momentos de
delírio, quando se via participando do programa ou de frente ao público a
percepção que tive era muito próxima ao teatro coletivo das redes sociais em
que cada um de nós mostra parte da nossa personalidade hedônica e
megalomaníaca. Não seria um desvio/padrão? As nossas máscaras? Da necessidade
de mostrar-se como corpo, como algo interessante aos outros e até mesmo pertencente
de ideias modernas? O real, os afetos e as relações de carne e osso seriam bem
mais difíceis de se encarar.
Na
tensão criada entre o ideal imagético e pitoresco do mundo paralelo do humor e
a agonia de uma vida triste e decrepita a esquizofrenia se estabelece, e mesmo
que o Coringa recorra insistentemente ao tratamento, quando é abandonado pelo
estado, essas percepções se confundem de uma forma que tenho certeza que, como
eu, alguns espectadores chegam a ter pena da personagem.
A
sacada final, que me chamou também a atenção foi a extensão que os seus atos
passaram a tomar. O ato do Coringa matar os três homens que estavam assediando
uma mulher no metrô toma proporções políticas, incidindo em discursos
antagônicos entre conservadores dos preceitos das famílias de “bem” – abastados
e o símbolo da turba de palhaços que reivindicam justiça social impulsionados
pelo fato. Os discursos do pai do Batman são bem parecidos com parte da
narrativa conservadora brasileira e mundial. A partir desse momento, e das
mortes que ainda é responsável durante o filme (inclusive a da própria mãe) abre-se
outro palco para o Coringa que, antes perdedor e desvalido passa a ter seu
desfecho apoteótico no talk show tão sonhado e nas ruas em protestos que nem
imaginava ser o mito fundador... As
realidades passam a se confundir mais uma vez, desvelando um monstro para a
narrativa do filme e uma provocação bastante atual para nós. Quatro estrelas e
meia na minha humilde opinião!
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